Falsa acessibilidade: uma história real (final)


Caro leitor caso não tenha lido a parte 1, 2 e 3 deixarei os links aqui.


Oi gente, hoje voltei para contar a parte final da falsa acessibilidade que vivenciei no ano de 2015...agora eu gostaria de mencionar um pouco sobre as minhas dificuldades dentro do ônibus, durante a viagem até à Universidade.
Quem conhece o trajeto entre Divinolândia e Poços de Caldas sabe que ele é formado em sua grande maioria por curvas, longas curvas e uma grande quantidade de lombadas, certo? Pois então, em uma boa parte das vezes, ou melhor, na maioria das vezes, alguns motoristas estavam sempre com pressa, portanto, aumentavam bastante a velocidade, e imaginem curvas, lombadas e alta velocidade não são coisas que combinam com uma patologia neuromuscular, hoje tenho a convicção para afirmar que realmente não combinam rsrs, em alguns dias eles corriam tanto que eu chegava trêmula em casa, com fraqueza nos braços, de tanta força que fazia para me segurar no banco do ônibus, até hoje minha mãe fica indignada de eu ter passado por essa situação sozinha, literalmente sozinha no banco do ônibus.
Ah outra dificuldade enfrentada ao longo dos dias era a troca de motoristas, sim, para mim essa era uma das principais variáveis que poderia e iria influenciar e modificar o meu dia tanto para ser um dia bom quanto um dia ruim. Eu entendia que a troca dos motoristas era algo necessário para a manutenção da logística da empresa, no entanto, algo que me incomodava bastante é que quando eu estava me acostumando com o motorista, quando nós estávamos mais à vontade com a dinâmica e nos adaptando eles mandavam outra pessoa que nunca tinham me visto na vida rsrs, ah isso com certeza me assustava e incomodava demais, pois eu tinha que explicar todo o passo a passo, e mesmo assim, corria risco até de vida rsrs.
Bom, essa situação mencionada não foi algo que eu passei por uns dias, eu quero enfatizar bastante, pois foi algo que eu vivenciei durante todo o ano de 2015, imaginem o stress, o cansaço psicológico, o medo, mesmo sendo eu a protagonista da história, até hoje me dá um pouco de aflição ficar relembrando todas essas situações, acredito que a imaturidade, a falta de visão e os meus sonhos foram os pilares que me impulsionaram e fizeram com que eu me submetesse a passar por tudo isso na época, pois eu não sabia a dimensão, a proporção que isso impactaria na minha vida.
Hoje, com mais experiência, sinto falar que não sei se optaria passar por tudo isso novamente, mas a maior certeza que tenho é que mesmo passando por situações inimagináveis eu tenho plena convicção de que fiz todas as escolhas certas, e que de alguma maneira, algo que eu não sei explicar, eu precisava passar por tudo isso, foi uma experiência transformadora, de pura resiliência, uma busca incessante por aquilo que muitas pessoas consideravam impossível, foi um momento que eu tive que me reinventar, que utilizar estratégias para manter o equilíbrio necessário para que eu continuasse a minha trajetória, a busca pelo meu sonho.
Agora chegou o momento de falar sobre algo que vocês aguardaram ansiosamente rsrs, a queda!!! Me lembro do dia como se fosse hoje, esse episódio da minha vida aconteceu exatamente no dia 5 de outubro de 2015, acho que nunca vou conseguir esquecer essa data, de manhã, tudo aconteceu normalmente, fiz as coisas rotineiras, mas mal sabia o que estava por vir, já estávamos quase no final do segundo semestre, ou seja, eu estava quase completando um ano de curso quando isso aconteceu.
Assim que o ônibus parou, percebi que era um motorista novo, por isso ele pediu para que o motorista do carro subisse no ônibus comigo, quando ele foi subir o segundo degrau, pisou errado, ele escorregou e ficou lá parado, no chão comigo no colo, não sei explicar o que houve com as pessoas do ônibus, eram de 25 a 30 passageiros, eles ficaram somente olhando, sem oferecer nenhuma ajuda, não sei se é por que ficaram assustados ou se foi falta de solidariedade para com o próximo mesmo, pois isso já havia acontecido com outras pessoas e eles continuaram imóveis apenas observando de camarote, eu ficava perplexa com essas situações, como pode não se comover com o sofrimento do próximo??? Bom, mas isto não vem ao caso agora, só comentei para ressaltar como eu tinha colegas de viagem “preocupados e amorosos” rsrs.
Naquele momento lá no chão eu não conseguia pensar em nada, estava visivelmente abalada, mas pelas minhas contas ficamos uns 2 minutos estagnados no chão, até que o motorista conseguiu se levantar e me colocar no banco do ônibus. Parece que o tempo parou durante o trajeto, na minha cabeça eu só pensava que queria chegar em casa e desistir de tudo, não queria mais passar por aquilo, estava disposta a colocar um ponto final naquela história.
Assim que chegamos na Universidade, o motorista novo pediu para um guardinha me descer, pois estava com medo, lógico né? depois de tudo que havia presenciado naquela manhã, o guardinha me desceu tranquilamente, mas o que eu mais lembro é que cheguei às 7:00 como todos os dias e eu só teria aula às 8:50, então não fui para a sala de aula, segurei o choro e fui para um “xerox”, um lugar escondido do lado da cantina, e o que eu mais pensava lá é que nada importava mais para mim, uma infinidade de sentimentos me diziam que tinha que parar com isso, que não ia dar certo, enquanto uma pequena interrogação dizia na minha mente que isso era momentâneo e eu iria dar um jeito, como sempre dei em tudo na vida.
Tomei minha decisão! Eu estava prestes a desistir de tudoooo!! Por isso liguei para minha casa chorando, minha irmã atendeu o telefone, ela ouviu minha voz assustada e falei para ela falar para o pai me buscar por que eu não poderia ficar lá, ela me perguntou o porquê, mas não tive a coragem de falar que algo que sempre me amedrontava aconteceu, assim, ela disse que daria o recado ao nosso pai.
Neste momento minha amiga chega lá no “xerox” que eu estava escondida, ela disse que como não me achou na sala de aula pensou que algo de ruim teria me acontecido e por isso foi me procurar, ela me deu alguns conselhos falando que eu não poderia desistir, que eu tinha que continuar, pois era o meu sonho, mas eu já tinha tomado a minha decisão.
Passados 50 minutos vejo que o carro dos meus pais entrar pelo portão, sensação de alívio misturado com medo, pois como eu falaria para os meus pais que não iria mais para a faculdade??? Esse não era só o meu sonho, eles também sonhavam com o momento da minha colação de grau, de falar que eu tinha cursado uma faculdade, de me virem em um bom emprego, tinha medo de acabar com tudo isso, tudo que eles haviam sonhado, planejado...
Meus pais foram ao meu encontro perguntar o que havia ocorrido, então eu contei tudo e já deixei claro que iria desistir de tudo, no entanto, meus pais não se conformaram com a situação, eles queriam que eu ficasse na faculdade para assistir aula, mas eu não tinha condições psicológicas para isso, falei que queria ir embora com eles, mesmo contrariado ele me colocou no carro e voltamos para casa.
Posso dizer com clareza e convicção que meus pais foram as pessoas que não me deixaram desistir, eles não aceitavam de forma alguma a minha desistência, meu pai principalmente foi argumentando durante toda viagem o porquê eu deveria continuar, ele me deu motivos para seguir em frente mesmo quando eu pensava que tudo tinha acabado, porém mesmo com a insistência do meu pai eu já tinha decidido que não pisaria mais na faculdade.
Então, quando chegamos em casa, algo incrível aconteceu, até hoje eu acredito que foi um sopro divino me avisando para tentar, prosseguir, continuar... eu sei que muitas pessoas que não acreditam podem até rir desta minha colocação, mas para mim, foi um aviso para eu continuar, tenho certeza de que não foi uma mera coincidência!!
Assim que chegamos em casa encontramos uma propaganda da PUC, escrito na capa “NÃO DESISTA DOS SEUS SONHOS”, isso nunca havia acontecido, a Universidade nunca tinha entregado panfletos no meu bairro, como pode?? Bem no dia em que eu estava prestes a desistir?? Isso ficou por horas na minha cabeça, e no final do dia, eu que tinha uma opinião formada, já tinha mudado completamente, refleti muito sobre os incentivos do meu pai e esse “empurrãozinho” do destino e cheguei à conclusão de que continuaria tentando, e ao mesmo tempo tive um “insight” para tentar buscar um novo meio de transporte para o ano de 2016.
No outro dia lá estava eu no ponto de ônibus rsrs, quando chegamos na Universidade, uma passageira, que era coordenadora do ônibus sentou-se ao meu lado e disse que queria conversar comigo, no mesmo momento senti um arrepio, sabia que era mais alguma coisa tentando me tirar do meu foco novamente, então de forma breve ela me falou que os motoristas estavam com medo de me subir e descer do ônibus devido à situação de ontem, e que à partir de hoje eles não teriam mais essa responsabilidade, ou seja, eu teria que me virar, pois se eles quisessem poderiam continuar com a função, mas não teriam mais essa obrigatoriedade. Pois é, o bicho pegou né? Como eu iria fazer? Foi tão duro ouvir isso, mas a essa altura do campeonato eu já tinha passado por tanta coisa que eu nem consegui chorar, apenas guardei isso para mim e não contei a mais ninguém.
Mesmo tendo passado por tudo isso, e acreditando que estava forte e resiliênte, alguns dias depois veio outro obstáculo que me atropelou psicologicamente literalmente rsrs, nós estávamos viajando de micro-ônibus no momento, porém, como tinha aumentado 4 passageiros estava quase decidido que iríamos de ônibus, aquele grandão, mil vezes pior para mim, com degraus mais altos e corredores mais apertados, lá estava outro fato que eu precisava de equilíbrio mental para superar, aqui vale ressaltar que os passageiros do ônibus preferiam muito mais viajar com o ônibus grande, e sempre me olhavam “torto”, pois eu era a culpada deles não usarem esse tipo de transporte rsrs.
Naquela noite eu chorei mais um pouco (acho que esse foi o ano que eu mais chorei, rsrs, pois quando eu estava tentando me estabilizar vinha um “terremoto” e me desestruturava totalmente), senti medo, e novamente ocorre algo extraordinário, que parece que de alguma maneira dava algum jeito para eu continuar, os 4 passageiros desistiram, e assim, para a minha alegria continuaríamos com o micro ônibus.
Alguns dias depois decidi que no próximo ano eu iria com um novo transporte, mais acessível e menos arriscado, e comecei a lutar para isso, então enviei um e-mail para uma deputada, que também é cadeirante e contei toda a minha situação, as dificuldades vivenciadas, e ela encarecidamente me enviou um oficio solicitando o transporte, logo, fui até a administração da cidade com o oficio, e tive total apoio, o gestor da época no mesmo instante entendeu todas as dificuldades e assinou a autorização para o meu transporte, esse foi um dos momentos mais felizes que tive naquele ano.

Portanto, quero informar a todos vocês que acompanham nosso Blog, que nos próximos anos eu frequentei a Universidade com um transporte mais justo e digno e que não tive mais problemas com relação à esse quesito. Hoje estou FORMADA, sou administradora com muito orgulho, realizei meu sonho! Estou plena, feliz, realizada e agradeço incessantemente à todos que de alguma forma me ajudaram a chegar até aqui. Agora estou enfrentando mais um desafio, a minha entrada e a ascensão no mercado de trabalho. Um Beijo no coração de todos que estão acompanhando a minha jornada.



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Dois cadeirantes portadores de AME, contam um pouquinho sobre suas vidas e fazem o leitor refletir sobre as questões e dificuldades do cotidiano. https://eficientesdeficientes.blogspot.com/

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