Falsa acessibilidade: uma história real (parte 3)



Caro leitor caso não tenha lido a parte 1 e 2 deixarei os links aqui.


Assim que amanheceu no dia 23 de fevereiro de 2015 às 5:00 da manhã eu já estava acordada, ou melhor, nem tinha dormido rsrs, então, me troquei, tomei café da manhã e arrumei meu material, pois estava combinado que as 6:00 um carro da prefeitura iria me buscar e me levar até o ponto de ônibus, e à 1:30 da tarde esse mesmo carro me pegaria no ponto do ônibus e me traria para casa, vale ressaltar que o trajeto da minha casa até o ponto de ônibus era de aproximadamente 10 minutos.
Assim, como planejado, às 6:00 da manhã o carro chegou para me buscar, como era o primeiro dia de aula, meu pai e minha mãe foram atrás de nós com o carro deles, pois ensinariam os motoristas como me transportarem e também levariam minha cadeira que “moraria” esses 4 longos anos na Universidade (Já falei que essa parte foi uma das mais difíceis para mim?  Acho que já né rsrs).
Enfim, após os 10 minutos de trajeto, no qual eu refleti sobre um turbilhão de coisas, esse, com certeza, foi um dos caminhos mais longos que percorri, não longo no tempo, mas no tamanho dos pensamentos que envolviam minha cabeça, foi como uma retrospectiva de tudo que eu tinha vivido até aquele momento, uma mistura de medo com “tudo vai dar certo” e dessa forma, as 6:15 vejo lá no finalzinho da rua que o ônibus estava chegando rsrs, (não tem como descrever esse momento com palavras, até hoje não sei descrever com exatidão o sentimento daquela hora, só sei que me paralisou completamente, e passei a entender de verdade que realizar aquele sonho não seria nada fácil, mas que eu estava disposta a tentar!!).
O ônibus parou do outro lado da rua, meu pai rapidamente foi lá conversar com o motorista e logo veio falar comigo (me lembro como se fosse hoje que ao olhar nos olhos do meu pai a minha primeira reação foi perguntar: “Tem jeito?” rsrs e meu pai sendo máster experiente comigo disse: “Claro que tem, não importa como você vai, uma coisa eu te garanto, você vai!” rsrsrs, meu deus que gelo no coração. 
Neste momento meu pai me pegou no colo, passou do outro lado da rua e fomos em direção à tão temida escada do ônibus, quando estava prestes ao subir, fez algumas recomendações ao motorista para subir devagar, que não era difícil fazer aquilo (rsrs, para ele, com certeza, não era difícil executar aquela tarefa todos os dias, afinal, eram 18 anos de experiência rs), o motorista meio ressabiado fez um leve sorriso misturado com insegurança confirmando que faria daquele jeito. Neste momento eu tive certeza que estava sendo observada por uma enorme plateia, todas as pessoas presentes no ônibus observavam a situação (eu gosto de ser olhada rsrs, até que não me incomodei com isso).
Como era o meu pai quem subiu as escadas e passou pelo corredor apertado, mesmo sendo um ônibus sem adaptação foi possível, pois ele é muito forte e tem muita experiência comigo, conhece minhas limitações, no entanto, essa não seria a realidade dos próximos dias, pois seriam vários motoristas que nunca me viram que realizariam o processo. 
Meu pai me colocou no primeiro banco para facilitar a minha descida depois, eu sentei-me ao lado de uma menina e como tudo parecia sob controle me tranquilizei um pouco e fomos conversando a viagem toda, mal sabia que esse seria o último dia que viajaria acompanhada rsrs, o resto do ano viajei sozinha.
A grande maioria das pessoas do ônibus me viam como um “estorvo”, essa é a grande verdade, pois eles sempre se atrasavam por minha causa, pois tinham que entrar com o ônibus em um local apertado para me buscarem, me colocarem no ônibus, guardar minha cadeira dentro do prédio, todo esse processo levava em média 15 minutos, ao longo desse um ano que precisei desse ônibus recebi muitoooos olhares que não concordavam com a minha presença lá, como falei anteriormente ninguém sentava no banco comigo, eu ia sempre sozinha. 
Ah mas esses olhares de rejeição e intolerância não estavam presentes somente com os passageiros do ônibus, mas também com os motoristas, lembro-me que 3 motoristas faziam o que podiam para me ajudar, de verdade, faziam aquela tarefa de descer e subir comigo com muito carinho e cuidado, tenho muita gratidão à eles, mas 2 motoristas sempre faziam cara feia, lembro-me como se fosse hoje que eu sempre falava tchau para eles no final do dia e eles nem respondiam rsrsrs, era nítido que não gostavam nem um pouco de fazer aquilo, por isso todo dia eu torcia para ser os motoristas legais, que estavam dispostos a me ajudar. 
Voltando à história rsrs, após os 50 minutos de trajeto chegamos até a PUC, quase todos os passageiros desceram, alguns ficaram dormindo, esperando até dar o horário da aula. Assim, rapidamente meu pai e minha mãe tiraram minha cadeira do carro (minha cadeira ainda era cor de rosa rsrsrs) e meu pai subiu no ônibus para me descer, com sua experiência me desceu facilmente e deu as últimas recomendações para o motorista, pois meus pais iriam embora, e seria o motorista o encarregado por me trazer embora. 
Pronto, a primeira etapa de chegar até a faculdade estava vencida, agora eu teria outro desafio, conhecer o curso, as pessoas, as disciplinas, os professores, rsrs, sim eram muitos desafios, mas eu queria passar por todos!
As pessoas da universidade foram muito receptivas, não tive problemas quanto a isso, já no primeiro dia uma colega chegou até a mim e disse que tudo que eu precisasse poderia chamá-la, outro colega, muitooo simpático, educado e sensível tirou cópia de todo o seu caderno e levou até a mim, poxa, que atitude né. Com os professores não foi diferente, a primeira matéria que presenciei foi estatística e simplesmente adorei, fiquei fascinada pelos cálculos, pois eu já gostava de matemática e tinha algum conhecimento prévio para conseguir acompanhar a aula, o professor também era muito simpático e engraçado, me senti muito à vontade durante a aula e mesmo chegando um mês depois do início das aulas consegui desenvolver as atividades sem problema nenhum. 
Assim que cheguei na universidade fizeram algumas adaptações necessárias, providenciaram uma mesa espaçosa para eu estudar, adaptaram o banheiro, arrumaram um local para eu guardar a cadeira, eles colocavam minha cadeira dia sim dia não para carregar, foi tudo muito tranquilo nesse aspecto. 
Ahhh um momento legal e que valeu a pena meu conhecimento em estatística é que consegui conversar com minha melhor amiga por causa disso rsrs, simmmm, o professor estava ensinando a calcular um desvio padrão, um cálculo que eu já dominava desde o ensino médio e uma menina me chamou e falou: “oi, você sabe fazer desvio padrão?” eu prontamente disse que sim e ela logo perguntou se poderia emendar a carteira comigo para que eu a ajudasse e eu disse que sim, e assim conheci minha melhor amiga rss, obrigada desvio padrão rsrs, depois disso nunca mais paramos de conversar e ela me ajudou a enfrentar muitas batalhas na faculdade, graças ao desvio padrão formamos uma parceria e somos amigas até hoje. 
Bom chegou a hora de voltar para casa né? Tínhamos combinado que todo dia eu esperaria o ônibus perto da cantina e lá estava eu 12:20, assim, o ônibus entrou lá parou e o motorista pela primeira vez me colocou no ônibus, não foi tão difícil por que ele tinha boa vontade, ele guardou a cadeira e voltamos para minha cidade. Ufaaa!!! Primeiro dia conseguido com sucesso!!
No primeiro dia havia dado tudo certo, mas a maioria dos outros dias não foram assim, pois era uma situação que não dependia só de mim, eram muitas variáveis que influenciavam por isso era tão difícil, muitas variáveis precisavam dar certo para que eu pudesse ter um dia bom e isso fez com que eu passasse por situações adversas, difíceis, inusitadas, inesperadas, essa fase, com certeza, trouxe aspectos positivos e negativos para minha vida, pois ao mesmo tempo que eu senti na pele a rejeição, a falta de inclusão, o sofrimento eu também amadureci muito e aprendi a correr atrás dos meus objetivos, a lutar pelos meus sonhos, semana que vem contarei mais um pouco sobre essa falsa acessibilidade que vivenciei e também vou relatar sobre um episódio que eu nomeio de “a queda”, sim, eu caí do ônibus!


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