Falsa acessibilidade: uma história real (parte 1)


Nos dias atuais um dos maiores problemas das pessoas portadoras de algum tipo de deficiência física é a mobilidade caótica, ou seja, a falta de acessibilidade nos ônibus e táxis, neste sentido, um dos episódios que rotineiramente nos deparamos é a chamada falsa acessibilidade, que ocorre com aqueles veículos que possuem o adesivo de acessibilidade e aparentemente são acessíveis, no entanto, quando ficamos frente a frente com o transporte percebemos que o mesmo possui escadas enormes e corredores apertados, inviabilizando totalmente a entrada de um cadeirante ou alguma pessoa com a mobilidade reduzida. 
Pois bem, essa situação estressante, desgastante e inaceitável foi a que eu passei durante um ano da minha vida, 5 dias por semana e 4 vezes por dia. 
Tudo começou no ano de 2015, quando eu havia terminado o ensino médio e tinha o sonho de cursar uma graduação, ainda tinha minhas dúvidas sobre o curso, aparentemente gostava dos cursos de direito e administração. 
Porém, uma situação bastante adversa e que me fazia sentir muito limitada é que minha cidade não possuía nenhuma universidade, então, se eu quisesse, algum dia ser bacharel em algo, ou seja, ter a tão sonhada graduação, eu teria que me locomover para alguma cidade próxima todo dia, ou então me mudar para uma casa em outra cidade, perto da universidade. 
Mas, tendo em vista a minha dependência física e financeira, eu já tinha refletido que se eu fosse me mudar teria que levar comigo a minha família, porém, todos os integrantes da minha família já tinham moradia e trabalho fixo e não tínhamos condições de comprar ou alugar alguma casa em outra cidade, assim, como já era esperado decidimos que não nos mudaríamos e eu teria que encontrar alguma alternativa para conseguir me locomover todo dia até a faculdade.
Vale ressaltar, que no final do ano de 2014 eu tinha prestado vestibular para o curso de administração da PUC Minas, campus Poços de Caldas, e essa era uma das universidades em que eu almejava e sonhava realizar minha graduação e que alguns dias após a realização da prova eu havia recebido o resultado e assim descobri que tinha sido aprovada, com uma excelente colocação, causando uma espécie de emoção mesclada entre ansiedade e expectativa. 
Os próximos dias foram cada vez mais longos e cheios de incógnitas: Será que eu teria coragem de viajar sozinha para outra cidade todos os dias? Como seria o transporte? Seria adaptado? Eu conseguiria pagar minha faculdade? Até que chegou o primeiro dia de aula na universidade e eu ainda estava em casa, e assim foram se passando os dias 2, 3 e 4 de fevereiro, até que chegou dia 22. 
Ah esse dia, impossível esquecer de uma data tão marcante e inesquecível para mim, quantas sensações diferentes, sentia medo, felicidade, angustia, insegurança, mas acima de tudo, uma explosão de alegria, pois foi um dia em que tudo começou normal como os outros, mas por volta de 15:30 eu estava sentada no carro ao lado de meu pai, nós estávamos esperando minha mãe que estava comprando algo, e em um certo momento, resolvi colocar para fora o que me intrigava há algum tempo. 
Então falei ao meu pai que havia uma inquietação em meu coração, que eu queria começar uma faculdade o mais rápido possível, pois como nós morávamos em uma cidade pequena, do interior, a chance de eu conseguir um trabalho sem uma graduação era quase nula, tendo em vista que todos os serviços disponíveis aqui eram aqueles em que a pessoa precisava de força braçal (impossível para uma pessoa com AME, rs...) ou serviços que demandavam diploma, inteligência e conhecimento (e era nessa esfera que eu pretendia me encaixar perfeitamente, rs..., garantindo assim uma melhor qualidade de vida para mim e minha família e uma maior estabilidade financeira). 
Depois que me expressei, ocorreu algo que me espantou bastante, mas ao mesmo tempo, me deixou extremamente feliz, ao olhar nos olhos do meu pai, percebi que mesmo inseguro ele mencionou que concordava comigo, e que eu deveria começar a estudar o mais rápido possível e me apoiaria e auxiliaria no que fosse possível para ele. 
Neste momento senti um pouco mais segura e confiante e assim, contamos tudo à minha mãe, que se calou, acredito que por medo, pois tinha uma pequena noção de tudo que eu passaria e enfrentaria, o preço que eu pagaria por uma decisão dessas. Alguns segundos após, eu e meu pai decidimos que no dia seguinte, dia 23 de fevereiro de 2015 iríamos até a PUC para fazer minha tão sonhada matricula e começar o curso de administração. 
Como planejado, mesmo sem decidir nada sobre o transporte, acordamos cedo e fomos direto para a PUC, um trajeto aproximado de 50 minutos, chegando lá, fiquei encantada com toda estrutura da universidade, realizei minha matrícula e a secretária logo mencionou que como eu já estava matriculada poderia entrar na sala de aula naquele mesmo momento, mas me senti um pouco insegura e decidi que iria à aula no próximo dia, dessa forma, retornei para minha cidade, de carro com meus pais. 
Chegando na cidade, fomos na papelaria, muito entusiasmados comprar caderno, lápis, borracha, canetas, essas coisas necessárias para se iniciar um ano letivo. Depois, lembramos que conhecíamos uma prima que usava o transporte que eu iria para a universidade, então fomos à casa dela pedir explicações de como era o procedimento e logo veio o primeiro susto, um susto que já era um pouco esperado, mas que intrinsecamente sempre foi o mais limitante psicologicamente e fisicamente, o transporte era um micro-ônibus, mas o mesmo não era adaptado, acredite, isso na mente de um cadeirante é um pesadelo, ainda mais para vivenciar essa experiência todos os dias. 
Ao ouvir da moça que o ônibus não era adaptado meu coração prontamente disparou, esse foi claramente um dos piores dias da minha vida, chorei muito, parecia que eu não queria acreditar que o meu sonho estava se esvaindo, o que eu passei a vida inteira tentando negar ou não pensar estava acontecendo e logo no final do dia eu sabia que tinha que enfrentar essa situação e tomar uma decisão desafiadora, principalmente para mim, e foi assim que pensei: Qual o preço a se pagar por um sonho?
Continua...

Falsa acessibilidade: uma história real (parte 2)
Falsa acessibilidade: uma história real (parte 3)

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Dois cadeirantes portadores de AME, contam um pouquinho sobre suas vidas e fazem o leitor refletir sobre as questões e dificuldades do cotidiano. https://eficientesdeficientes.blogspot.com/

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